Segue um capítulo de um livro que eu Dra Valéria escrevi sobre o assunto!
O transtorno do déficit da atenção/hiperatividade (TDAH) é um dos transtornos mais comuns na infância e adolescência, podendo permanecer na vida adulta. Dificuldades enfrentadas quanto ao foco, produtividade, autoestima, gerenciamento do tempo e das emoções são os maiores desafios enfrentados
por pessoas com TDAH.
Os ritmos elétricos do cérebro são frequências de ondas que determinam não apenas as funções cognitivas, como também o humor e estados de alerta semelhantes à radiação móvel, em frequência, dos aparelhos celulares. A avaliação do mapeamento cerebral, por análise fenotípica, poderá identificar o
subtipo eletroencefalográfico do TDAH e mostrar a importância do manejo dos circuitos elétricos cerebrais, promovendo melhor aprendizagem.
A demanda crescente de crianças e jovens com transtornos do neurodesenvolvimento, entre eles o do déficit da atenção e hiperatividade (TDAH), é uma realidade nos serviços de saúde. Porém há escassez de dados quanto à prevalência em adultos em todo o mundo e inexistem estudos realizados em nosso meio.
Em crianças e jovens, os sintomas são a hiperatividade, a impulsividade e o déficit da atenção, tríade clássica para a suspeita diagnóstica. Contudo, há uma variedade de manifestações clínicas, muitas vezes dentro da mesma família. Em adultos, os maiores impactos do TDAH relacionam-se à baixa produtividade no trabalho, a procrastinação, desorganização do tempo, dificuldades nos relacionamentos e no manejo do tempo e do dinheiro.
Consumir alimentos cada vez mais processados, a exposição a tóxicos ambientais, o sedentarismo, obesidade infantil e uso crescente da tecnologia com acesso à internet, tem aumentado entre crianças e adolescentes na última década, especialmente nos últimos 3 anos, devido à pandemia COVID-19.
Esses fatores podem estar relacionados ao agravamento da sintomatologia do TDAH e suas comorbidades? Quais as consequências, em especial para o desenvolvimento psíquico?
Os Biomarcadores Eletroencefalográficos no Transtorno do Déficit da Atenção e Hiperatividade – Conceito,
Etiologia e Prevalência do TDAH
O TDAH é uma desordem neurobiológica, de origem genética, com fatores epigenéticos envolvidos, de início na infância, podendo permanecer na vida adulta. Frequentemente apresenta comorbidades com outros transtornos neuropsiquiátricos e do neurodesenvolvimento, como transtornos de conduta, ansiedade, depressão, desordens do sono, dificuldades de aprendizagem e dependência química.
A etiologia está relacionada, além dos fatores genéticos, à presença de fatores de risco para o TDAH, como o nascimento prematuro e com baixo peso, consumo de álcool, tabaco e outras drogas durante a gestação. A tríade clássica do TDAH é a hiperatividade, impulsividade e desatenção, cujas manifestações variam de pessoa a pessoa, mesmo sendo da mesma família.
Critérios diagnósticos conforme DSM-5
O Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais classifica o TDAH como um transtorno do neurodesenvolvimento, fato corroborado pelas pesquisas em neurociência e neuroimagem funcional, onde se observa um atraso no amadurecimento do córtex cerebral, documentado em estudo longitudinal, com crianças de 5 a 20 anos. Tais estudos mostram que existe um menor volume cerebral, notadamente do córtex pré-frontal e frontal.
Uma vez preenchidos os diagnósticos clínicos, o médico está habilitado a prescrever psicoestimulantes, psicofármacos de primeira linha para o tratamento do TDAH. A família recebe explicações fisiopatológicas e inicia-se o tratamento, não sendo imprescindível a realização de exames complementares.
Biomarcadores eletroencefalográficos do TDAH
O registro elétrico do cérebro traz a história de vida da pessoa, sendo possível avaliar o impacto do uso de psicofármacos no cérebro, e se houve alguma injúria ou disfunção do ciclo circadiano que impacta diretamente na produção dos ritmos cerebrais. Passamos, então, a trabalhar com o conceito de endofenótipo e, de acordo com cada um deles, analisa-se qual a melhor conduta propedêutica e terapêutica, que permite a avaliação dos estados nutricional e hormonal do paciente.
O eixo hipotálamo – hipófise – intestino –adrenais-coração
Desde a origem da humanidade, o homem enfrenta os perigos cotidianos, pela modulação do sistema do estresse, acionado pelo sistema nervoso autônomo, em suas porções simpática e parassimpática. As alterações do humor, problemas com a autoestima e a autoimagem, dificuldades nos relacionamentos interpessoais, baixa produtividade no trabalho e nos estudos podem causar, aos portadores do TDAH, a desregulação do sistema nervoso autônomo. Pois as pessoas tendem a apresentar ruminação
mental e, por conseguinte, acionam o sistema de estresse, pela liberação do cortisol.
Em situações assim, crianças, adolescentes e adultos com TDAH tendem a buscar atividades e relações que podem lhe trazer sensação de prazer e recompensas imediatas. E, com o desenvolvimento tecnológico, é comum investirem muito tempo em atividades com gamificação.
Pais de crianças e adolescentes costumam dizer: “doutora, no vídeo game, computador e celular a atenção e foco são excelentes, mas na escola, são uma negação”. Muitos adultos também chegam a essa conclusão, pois perdem muito tempo com os distratores. E são rotulados como irresponsáveis e outros
adjetivos advindos do comportamento desajustado.
A Semeadura do Córtex
Em 30 anos de prática clínica, passei a observar como todos os conceitos apresentados até o momento se correlacionam e algumas perguntas ressoavam em minha mente: como analisar todas as queixas apresentadas pelos pais quanto ao neurodesenvolvimento de seus filhos? Uma criança em tenra idade medicada com psicofármacos para o TDAH e comorbidades precisará usar o medicamento até quando? Por que algumas crianças e jovens apresentavam efeitos tão adversos aos psicoestimulantes e outras não? Quais fatores externos podem prejudicar e até mesmo alterar a evolução natural do neurodesenvolvimento epigeneticamente?
Partindo do princípio que, para uma adequada maturação dos ritmos elétricos do cérebro, seria necessário avaliar todo o perfil nutricional, metabólico e do eixo hipotálamo-hipófise-adrenais-coração-intestino, desenvolvi o Programa Semeadura do Córtex, que consiste em avaliar, na primeira consulta, o estudo do mapeamento cerebral com análise psicofisiológica. Incluí como propedêutica a consulta nutricional, os exames sanguíneos, hormonal salivar e coprologia funcional avançada.
Com essa propedêutica, identificamos que muitos pacientes que se enquadravam no conceito clássico do TDAH apresentavam como distúrbios de base, a desregulação do eixo, com falhas na liberação do cortisol. Ao estudar a relação DHEA (Desidroepiandrosterona)/Cortisol, na matriz salivar, muitas
pessoas encontravam-se em situação de escassez da liberação desses hormônios, caracterizando uma desadaptação dos mecanismos de compensação hormonal frente ao estresse. E não fazia mais sentido prescrever psicoestimulantes para alguém que não possuía os principais hormônios para a ativação cerebral: DHEA e cortisol.
Passamos a estudar e promover o tratamento para trazer o equilíbrio no sistema do estresse. Adotamos o treino do biofeedback da variabilidade, neurofeedback, ativação da microcirculação por campo magnético pulsado, cuidados nutricionais e nutracêuticos. Integramos as terapias psicossomáticas para o cuidado do equilíbrio mente-cérebro-corpo-espirito. Avançamos para o Projeto “Quem Cuida de Quem Cuida”, sabendo-se que o cuidador, muitas vezes, encontra-se cansado e sem saber da importância de cuidar de si mesmo.
Contaminação Eletromagnética – Histórico do Desenvolvimento da Tecnologia no Brasil
A Internet no Brasil chega em 1988. No entanto, somente a partir de 1996, passou a ter seus backbones próprios, iniciando assim o desenvolvimento dessa rede de telecomunicações. Após 2 anos, chegam os primeiros aparelhos celulares no Brasil e, de lá até o momento, o crescimento foi exponencial,
contando nos dias atuais, com mais de 234 milhões de aparelhos, número maior que de habitantes.
Nos últimos 3 anos, passamos a vivenciar a obrigatoriedade do acesso à rede de forma ampla e irrestrita, inclusive para crianças e adolescentes, devido à pandemia COVID-19, que registrou um crescimento no acesso domiciliar, no país, de 71% em 2019, para 83% em 2020.
Se por um lado, tivemos maior possibilidade do desenvolvimento do trabalho em diversos segmentos, chegando até à telemedicina, por outro, o maior tempo conectado à rede eletromagnética traria danos à saúde física e mental.
Impacto na Saúde
Uma preocupação crescente diz respeito ao uso dos celulares por crianças e adolescentes. Sabe-se que o efeito térmico, pela absorção do calor advindo do aparelho telefônico encostado à cabeça, expõe estruturas cerebrais profundas e aproximadamente o dobro da quantidade de radiação (incluindo campos elétricos e magnéticos flutuantes) por unidade de volume do que em adultos. E também que o crânio jovem e fino absorve uma dose local aproximadamente 10 vezes maior do que no crânio do homem adulto. Assim as populações pediátricas estão mais vulneráveis a essa exposição às ondas eletromagnéticas.
Outra preocupação crescente está relacionada às atividades lúdicas que as crianças encontram na internet, seja pelos smartphones ou computador. Vale dizer que não apenas crianças, mas uma grande quantidade de adultos desenvolveram, inclusive, esportes eletrônicos profissionais, com competições mundiais, onde passam horas e dias conectados à grande rede. Em fevereiro de 2020, a Pesquisa Game Brasil (PGB) realizou sua 7ª edição, com um estudo sobre a quantidade de pessoas que participam de jogos eletrônicos. A pesquisa constatou que 73,4% da população brasileira utiliza algum, para seu
entretenimento. Levando em conta que o Brasil tem 209,5 milhões de habitantes (dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE), são aproximadamente 154 milhões de jogadores no país.
Não apenas a contaminação eletromagnética, mas também a estimulação visual e sonora dos aparelhos eletrônicos pode trazer danos ao sistema nervoso e hormonal. O uso continuado dos jogos pode levar crianças e jovens à dependência da internet, semelhante à dependência química por substâncias diversas. Dessa forma, o sistema límbico e o desenvolvimento do córtex sensório-motor e seus circuitos fronto-temporais podem sofrer o impacto do excesso de luminosidade, bloqueando a produção de neuro-hormônios e alterando o ciclo sono-vigília, pelo excesso de excitação e produção/liberação do cortisol e bloqueio da produção da melatonina. A consequência são crianças com déficit da atenção e memória, agitadas, ansiosas, impulsivas, agressivas e, ao extremo, apáticas, por exaustão do sistema de compensação hormonal.
Apresentação do caso clínico
P.N., 9 anos de idade, sexo masculino, compareceu à consulta médica em dezembro de 2021, com as seguintes queixas, relatadas pelos pais: comportamento agitado, ansioso, desatento, baixa concentração e baixo desempenho acadêmico, em fase silábica da alfabetização. Evoluindo com desmotivação escolar,
sensação de incapacidade e nervosismo diante de situações de leitura e exposição em sala de aula. Esse comportamento foi observado a partir dos 6 anos, mas agravado nos últimos 2 anos, quando passou a usar mais o celular e computador, no período das aulas on-line, situação imposta pela pandemia.
A gestação foi desejada, sem intercorrências. Desenvolvimento neuropsicomotor dentro do esperado para a idade, exceto quanto à alfabetização.
Durante a consulta, observo a criança com celular em suas mãos, com acesso à internet e jogos. Pais relatam que, no período da pandemia, perderam o controle para o uso dessa tecnologia e o filho passava mais de 6 horas conectado; sono com baixa qualidade e idas ao quarto dos pais, todas as noites, por
medo de dormir em seu próprio quarto.
Apresentava-se com timbre de voz elevado, impulsividade na fala, interrupções constantes da linha de pensamento, interrompendo a conversa dos pais durante a entrevista. Demonstrava contrariedade em tudo o que era relatado pelos pais e assumia postura agressiva em sua expressão de linguagem.
O exame clínico geral estava dentro dos parâmetros da faixa etária, com adequado desenvolvimento pôndero-estatural. O histórico de consumo de alimentos processados, derivados lácteos e glúten era a base da alimentação.
Propedêutica e conduta
A proposta de tratamento foi a intervenção nutricional com dieta anti-inflamatória, fórmulas adaptógenas para modular a função adrenal, suplementação com ômega 3, retirada do celular e 20 sessões da neuromodulação integrativa, composta por treinamento em neurofeedback, biofeedback com treino da variabilidade cardíaca e o uso da terapia de ativação da microvasculatura. O objetivo é ensinar a criança a modular o sistema nervoso autônomo pela respiração. Foi desenvolvido ainda um minucioso plano psicopedagógico, com orientação da escola.
Resultados
Com a retirada do celular, P.N. reduziu a ansiedade, passou a buscar brinquedos e se interessar por revistinhas em quadrinhos. Com 12 sessões de neuromodulação integrativa, começou a ler palavras e frases curtas. Dois meses após o término das sessões, os pais observaram desenvolvimento da leitura e escrita; a criança ir dormir no próprio quarto, mais confiante, alegre e com redução acentuada das crises de irritabilidade e ansiedade.
Considerações Finais
O sucesso apresentado no manejo clínico do estudo de caso apresentado foi atribuído ao empenho dos pais em retirar o celular do filho, por duas semanas e, após o tratamento, limitar o tempo de uso por até uma hora ao dia. Porém, mais estudos são necessários, para concluir se o agravamento da sintomatologia do TDAH está associado ao excesso de uso da tecnologia.
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